sexta-feira, 6 de julho de 2007

~ Acordo todas as manhãs com este zumbido e com a certeza que não vais voltar. Cansada de me convencer que, apesar e acima do teu individualismo, estava a tal inevitabilidade a que nos submetemos e chamamos amor, pensei que com todo o amor que sentia por ti, te iria suavizar e de alguma forma fazer parte do teu equilíbrio, tornando-me subtilmente indispensável. Helás. Nunca pensei enganar-me tanto.

Só agora percebo que o teu amor por mim não foi uma inevitabilidade, mas uma escolha. Fui alguém que te chamou a atenção e que, um dia, decidiste que querias atravessar, com a intuição certeira de um animal selvagem que procura refúgio temporário, quando está cansado.

Sei que não vinhas a fugir de nada, nem à procura de coisa alguma.

Mas acho que, quando em pequeno, te arrancaram uma parte de ti, e desde então ficaste incompleto e perdeste, quem sabe talvez para todo o sempre, a capacidade de adormecer nos braços de alguém sem que penses no perigo de ficar na armadilha do carinho para todo o sempre. ~

(margarida rebelo pinto)

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Volta

As horas passavam graves pela couraça da lua

E a chuva engordava o chão já seco, aquela terra enxuta,

A que tinha prometido voltar um dia

Molhando-a, devolvendo-lhe a greda...

Voltou.

À boleia do outono e do mês de Outubro,

Um ano depois voltou,

À mesma paragem,

Na mesma data.

Trajava também com a mesma vestimenta,

Mas mais gasta, algo rota,

Empoeirada,

Suja.

As mangas de pele mais claras,

Manchadas.

O colarinho negro.

Os velhos jeans pardos

E os sapatos já sem atacadores.

Indubitavelmente

Aquela figurinha era a mesma de outrora.

Parecia haver passado uma eternidade

Desde a última vez que aqui tinha estado...

Eternidade andante e vagabunda,

À mercê da candura da Alma idolatrada.

Meses em que, sem amor,

Abalou na espera,

Numa demora agonizada,

Uma promessa

Que nem o seu Deus entendeu.

Voltou hoje como quando partiu,

Apenas mais rota e mais suja,

Mais gasta e mais empoeirada.

A promessa, essa, de nada lhe valeu...



TARZOA.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

« Eu q'ria ser o Mar ingente e forte
O mar enorme, a vastidão imensa...
Eu q'ria ser a árvore que não pensa
Que ri do mundo vão e até da morte...

Eu q'ria ser o Sol, irmão do Mar
O bem do que é humilde e pobrezinho
Eu q'ria ser a pedra do caminho
Que não sofre a tortura do pensar...

Mas o Mar também chora de tristeza,
E a árv're também como quem reza
Levanta aos céus os braços como um crente!

E o Sol cheio de mágoa ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia,
E as pedras, essas, pisa-as toda a gente... »

Florbela Espanca,
Livro de Mágoas