sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Volta

As horas passavam graves pela couraça da lua

E a chuva engordava o chão já seco, aquela terra enxuta,

A que tinha prometido voltar um dia

Molhando-a, devolvendo-lhe a greda...

Voltou.

À boleia do outono e do mês de Outubro,

Um ano depois voltou,

À mesma paragem,

Na mesma data.

Trajava também com a mesma vestimenta,

Mas mais gasta, algo rota,

Empoeirada,

Suja.

As mangas de pele mais claras,

Manchadas.

O colarinho negro.

Os velhos jeans pardos

E os sapatos já sem atacadores.

Indubitavelmente

Aquela figurinha era a mesma de outrora.

Parecia haver passado uma eternidade

Desde a última vez que aqui tinha estado...

Eternidade andante e vagabunda,

À mercê da candura da Alma idolatrada.

Meses em que, sem amor,

Abalou na espera,

Numa demora agonizada,

Uma promessa

Que nem o seu Deus entendeu.

Voltou hoje como quando partiu,

Apenas mais rota e mais suja,

Mais gasta e mais empoeirada.

A promessa, essa, de nada lhe valeu...



TARZOA.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

« Eu q'ria ser o Mar ingente e forte
O mar enorme, a vastidão imensa...
Eu q'ria ser a árvore que não pensa
Que ri do mundo vão e até da morte...

Eu q'ria ser o Sol, irmão do Mar
O bem do que é humilde e pobrezinho
Eu q'ria ser a pedra do caminho
Que não sofre a tortura do pensar...

Mas o Mar também chora de tristeza,
E a árv're também como quem reza
Levanta aos céus os braços como um crente!

E o Sol cheio de mágoa ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia,
E as pedras, essas, pisa-as toda a gente... »

Florbela Espanca,
Livro de Mágoas